A segunda edição do encontro “Caminhos Literários no Socioeducativo: pelo direito à leitura” encerrou-se na quinta-feira (30 de novembro). O evento teve início na quarta-feira (29) com transmissão ao vivo pelo canal oficial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na plataforma Youtube. Na ocasião, ocorreu o lançamento do Relatório do “Censo Nacional de Práticas de Leitura do Sistema Socioeducativo”, mediado pela titular da 2ª Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá, Leilamar Rodrigues. Adolescentes de três unidades de Mato Grosso participaram do encontro, que apresentou recomendações e os próximos passos do plano nacional de fomento à leitura no sistema socioeducativo.
O evento, realizado pelo CNJ como parte das atividades do programa Fazendo Justiça, é executado em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para acelerar transformações no campo da privação de liberdade. O público principal foi de adolescentes de 80 unidades socioeducativas de todo o país, além de juízes e juízas.
Para a juíza Leilamar Rodrigues, a leitura desempenha um papel fundamental no sistema socioeducativo, pois contribui para o desenvolvimento intelectual, emocional e social dos adolescentes e jovens. “Ela pode estimular a reflexão, promover a empatia e oferecer novas perspectivas, auxiliando na ressocialização e na construção de uma visão de mundo mais ampla para aqueles que estão inseridos nesse sistema. Além disso, a leitura pode ser uma ferramenta poderosa na aquisição de conhecimento e habilidades, preparando os adolescentes e jovens para uma reinserção mais eficaz na sociedade”, afirmou a magistrada.
Wanderléia da Silva Dias, da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJMT e Comissão da Infância e Juventude, explicou que a unidade feminina tem uma parceria com a Associação Elas Existem. A entidade, do Rio de Janeiro, trabalha com mulheres e adolescentes privadas da liberdade de todo o país. “Eles estão conosco desde 2021 e a cada 15 dias eles estão, de forma virtual, aqui dentro (da unidade). Eles passam vídeos educativos e livros para ler e discutir”.
“Este evento é extremamente importante, porque a partir dele nós estamos mapeando as práticas de leitura no socioeducativo e vai ser uma oportunidade dos próprios adolescentes trazerem essas práticas e também de terem voz, porque a partir dessa conferência será possível pensar políticas públicas no sistema socioeducativo vinculadas ao Ministério da Cultura.”, explicou Alana Rodrigues Ribeiro, assistente técnica estadual do Programa Fazendo Justiça. A servidora do GMF-MT, Maria Fernanda Daltro também acompanhou o encontro.
Os representantes, residente adjunto dos Programas das Nações Unidas no Brasil, Carlos Arboleda, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Claudio Augusto Vieira, do Ministério da Educação, Claudia Borges Costa, do Ministério da Cultura, Jeferson Assunção, da Igualdade Racial, Isadora Oliveira, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Deila do Nascimento Martins Cavalcante estiveram na mesa de honra da solenidade de abertura do evento.
UNIDADE SOCIOEDUCATIVO FEMININO DE CUIABÁ – As 11 adolescentes atendidas atualmente na unidade, estudam diariamente e aderiram ao projeto de leitura e à participação no encontro online de maneira unânime. A diretora do Centro de Atendimento Socioeducativo Feminino de Cuiabá, Natielle Taís Santana Alves Kuhn, disse o projeto que viabiliza políticas públicas voltadas à leitura para as adolescentes. “É um fator muito importante no projeto da socioeducação porque a leitura vai abrir possibilidades educacionais e de crescimento pessoal e profissional para elas. É um projeto muito bem-vindo, que apoiamos e estamos fazendo o possível para construir e desenvolver com a adesão das nossas adolescentes”, explicou.
E é exatamente isso que duas das adolescentes aprenderam ao abrir a mente para o universo da leitura: abriu expectativas de crescimento educacional, pessoal e profissional.
A interna S. de 15 anos está na unidade há nove meses e chega a ler numa semana até sete livros. Ela contou que aprendeu muito sobre si mesma e sobre o que quer para o futuro depois que “para passar o tempo descobriu os livros”. Ela vem de uma cidade do interior e estava matriculada no 8º ano do Ensino Fundamental, mas faltava muito às aulas. “Lá fora eu não tinha interesse em livros, nem à escola eu ia, e aqui estou aprendendo muitas coisas, escrevo poemas também. Gostei muito da Literatura Clássica, gosto de poemas e rap. Sou muito interessada nisso”, explicou.
Os planos para o futuro são parte dos sonhos cotidianos da adolescente. Ela pretende ajudar a família e ser perita criminal, dois sonhos que jamais passaram por sua cabeça enquanto estava fora do sistema socioeducativo. “Aqui eu conheci a profissão que eu quero seguir, que é perita criminal, e estou correndo atrás. Eram coisas que eu não pensava lá fora. Aqui dentro eu penso em várias coisas. Quero ajudar minha família”.
Já a adolescente D. de 14 anos está na unidade há cinco meses. Ela estudava, mas não gostava de ler. D. também é do interior do estado e já decidiu que quer estudar Ciências Contábeis. “Eu sou boa de matemática. E era muito ruim de leitura, mas aqui tive aulas de leitura. Agora leio bastante, uns três livros de 200 páginas por semana e gosto bastante de ler livros de história e contos”, afirmou ela.
Sobre a família a adolescente contou que a mãe, “pegava muito no meu pé pra estudar e eu não dava moral. Agora estou dando valor ao que não dava antes.”
De acordo com Natielle, a unidade feminina de Cuiabá aumentou o acervo de livros da biblioteca ao receber doação de livros por meio da parceira com o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (GMT-MT), de voluntários da comunidade, do próprio sistema socioeducativo, que possibilita novos livros e dos servidores. “Temos adolescentes que lêem muito. Temos aqui uma adolescente que lê em média sete livros por semana e ela gosta de clássicos. Então precisamos de uma rotatividade para que consigamos atender esse pedido e anseio delas.
Em Mato Grosso, participam do projeto também as unidades socioeducativas masculinas de Cuiabá e de Rondonópolis.
CENSO DE LEITURA NO SOCIOEDUCATIVO – O Censo usou uma metodologia de três etapas e analisou a dinâmica do acesso à cultura, leitura e escrita por parte de adolescentes e jovens, traçando um diagnóstico das práticas de leitura em 450 unidades socioeducativas para subsidiar a implementação do Plano Nacional de Fomento à Leitura. Avaliou infraestrutura, práticas de fomento e acesso ao livro e à leitura, com o objetivo de realçar as atividades de leitura como direito fundamental. O CNJ disponibilizará um Painel interativo do Censo para facilitar o acesso aos dados.
O relatório do censo mostrou o perfil dos adolescentes usuários do sistema socioeducativo. Entre janeiro e março de 2022 foram aplicados questionários online em 450 unidades socioeducativas (99,3% do sistema). Nesse período havia 11.933 adolescentes sendo assistidos em unidades de internação, de internação provisória e semiliberdade. Destes, 13 eram imigrantes e 117 se identificavam como LGBTQIAP+. Os números também mostraram que 4,4% ou 520, eram meninas e 11.195 meninos, o que corresponde a 95,56% dos adolescentes.
De acordo com o juiz auxiliar da presidência do CNJE Dinaldo César Santos Junior, que apresentou os dados do relatório, disse que “na dimensão de raça e cor, o censo mostrou a confirmação da seletividade racial do sistema socioeducativo brasileiro em que a sobre representação da população negra atingiu 75,06% de adolescentes pretos e pardos, destes, 5.882 (57,2%) eram adolescentes pardos e 1.825 (17,8%) eram pretos. Ainda sobre esse quesito, registrou-se a presença de 2.500 adolescentes identificados como brancos (24,3%), 37 adolescentes indígenas (0,4%) e 32 adolescentes amarelos (0,3%).”
CAMINHOS LITERÁRIOS – O ‘Caminhos Literários’ tem como objetivo incentivar a leitura entre adolescentes e jovens, especialmente aqueles em cumprimento de medidas socioeducativas. O evento conta com a participação de magistrados de todas as partes do país, além de escritores, artistas, representantes dos Ministérios da Educação e da Cultura, movimentos sociais, entre outros atores do sistema de garantia de direitos.
A programação deste ano promove a literatura em suas múltiplas formas de manifestação como o hip-hop, rap, produção de roteiros, poesias, discursos, dentre outros gêneros. Durante o evento, haverá o lançamento do primeiro Censo Nacional de Práticas de Leitura do Sistema Socioeducativo e um painel interativo com os resultados.
A programação do encontro segue em dezembro com participação exclusiva de adolescentes cumprindo medidas em unidades socioeducativas. Esta edição será palco ainda, da primeira Conferência Livre de Cultura no Sistema Socioeducativo, parceria entre o CNJ e o Ministério da Cultura (Minc), no dia 13 de dezembro.
Nos dias 6, 7 e 13 de dezembro, a programação será exclusiva para o público das unidades socioeducativas.
#Paratodosverem – Esta matéria possui recursos de texto alternativo para promover a inclusão das pessoas com deficiência visual. Foto 1: a imagem mostra, em plano panorâmico, a sala onde as adolescentes estão assistindo apresentação do seminário. As adolescentes estão sentadas, atrás de uma mesa branca. Elas estão vestidas com o uniforme da unidade socioeducativa na cor ver claro. Foto 2: A foto mostra uma adolescente sentada numa cadeira, segurando três livros com capas coloridas. No primeiro se lê Jenny Colgan, A pequena livraria dos sonhos. Ela está vestida com um shorts verde, parte do uniforme
Marcia Marafon/ Fotos: Marcia Marafon
Coordenadoria de Comunicação do TJMT
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