O que define substancialmente o olho é olhar. Há um olhar que deve ser sempre avistado: um olhar no espelho, no nosso espelho. Que não é um espelho estático, mas um espelho que passa, fluido, que se evade.
Como disse Lledó, olhar-se no espelho é olhar-se, e olhar-se é um encontro naquilo que se olha, na memória daquelas palavras que cada pessoa é, em sua singularidade intransferível, o único compositor.
Amigo(a) leitor(a), você deve olhar para si mesmo. Para se descobrir é necessário esse encontro. Sim! Pode ser aterrorizador. Mas que medo pode ter nisso? Já sei: de ficar só consigo mesmo.
Enfrentar a nós mesmos é coisa que requer grande coragem. É preciso mansidão para ver o tanto que nós não nos conhecemos; acuidade para não se assustar com a “falta-a-ser”; calma para ver o escondido, o velado do nosso dentro; humildade para dar conta do pouco que somos capazes de pensar sem auxílio exterior; ânimo para ouvir o grito daquilo que só geralmente sussurra no fundo da gente.
Veja-se! Muito será novo para os olhos velhos. Ouça-se! Que para isso uma das orelhas se ensurdeça, e a outra fique mais aguda.
Às vezes nos achamos tão sólidos em nossa realidade que acabamos esquecendo de divagar sobre nós. Devaneios já são espécies de remédios.
Nessa nossa vida civilizada somos invadidos pelos objetos, pelo ter, pelo exato, pelo pronto e o já dito. Temos que nos invadir de nós, dar a chance de nos vermos.
Muitas coisas e palavras foram ordenadas e embutidas com tamanha precisão em nossos dicionários de dentro – por nós e por outras pessoas – que acabaram se tornando verdadeiras trilhas para os nossos passos. Se olharmos de perto, talvez… só talvez, elas não sirvam para caminhar mais longe. Para sonhar.
Olhar para dentro de nós mesmos restitui um pouco da vitalidade que o tempo apagou, devolve a eternidade que o tempo levou e nos conduz a sonhar com as nossas palavras raízes, com o nosso “eu radical”. Seremos um sonhador da gente mesmo… um sonhador de palavras que estão de “mim para mim”, e veremos o que nós e os outros escondemos de nós mesmos. No fundo de nós, assistimos ao nascimento da gente mesmo.
*Emanuel Filartiga Escalante Ribeiro é promotor de Justiça em Mato Grosso
Fonte: Ministério Público MT – MT
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